O jogo vilão-vítima

Gustavo Tanaka

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Quando criança, eu brincava de polícia e ladrão.

Era uma brincadeira em que algumas crianças faziam parte do time da polícia, tinham que correr e tentar pegar as que faziam parte do time dos ladrões.

Quando alguém da polícia chegava perto de você, você tinha que correr o máximo que conseguia e fugir.

A gente se divertia e ficava muito envolvido na brincadeira.

Mas chegava uma hora que cansava e uma criança dizia que não queria mais brincar. Aí, não adiantava correr atrás dela, porque ela não se envolvia na brincadeira e não fugia.

O tempo passou. Eu parei de brincar de polícia e ladrão, mas passei a brincar de outro jogo: do jogo vilão-vítima.

Nesse jogo, em todos os momentos da minha vida eu estava interpretando um desses dois papéis.

Algumas vezes como vítima. Me sentindo mal pelo que os outro fizeram comigo. Culpando os outros. Um chefe, meus pais, meus sócios, meus amigos, minha irmã, minhas ex-namoradas, meus primos, o governo, o presidente, o prefeito, o ex-prefeito, o sistema, as mulheres, os homens.

Sempre tinha alguém que me colocava nesse papel de vítima. Alguém que me fazia sofrer, que me atrapalhava, que tornava minha vida pior.

Outras vezes, eu jogava como vilão. Me sentindo o pior dos seres humanos por ter feito alguém sofrer. Por não ter me comportado direito, por ter falado algo que não deveria ser dito, por ter envergonhado alguém, por ter desonrado minha família.

No papel de vilão, era eu mesmo que me cobrava. Me chicoteava, não conseguia dormir, tinha vergonha de sair na rua e às vezes nem coragem de me olhar no espelho eu tinha.

Todos os dias eu jogava esse jogo. Entrava nos dois papéis com muita habilidade. Eu era bom em jogar nos dois times.

Até que eu me cansei.

E decidi que não queria mais brincar desse jogo. Assim como aquela criança que não queria mais brincar de polícia e ladrão.

Aos poucos fui tomando consciência de quando entrava nesses dois papéis e decidido a não mais participar disso.

Só que as pessoas continuam jogando esse jogo. Às vezes elas me colocam no papel de vilão. E ao invés de correr e tentar fugir ou me defender, eu lembro que não estou mais na brincadeira.

Outras vezes, eu vejo o mundo como ele é e a memória de jogar como vítima vem. Eu fico com vontade de criticar todo mundo e reclamar dos outros. Aí lembro que não to mais nesse jogo.

Então eu encontro paz. Fico à vontade no lugar de observador. Encontrei meu centro.

Eu sigo fazendo o que sinto que tenho que fazer. Sem esperar nada do mundo.

Não sou vilão nem vítima.

Sou apenas eu.

Não sou vilão nem vítima.

Sou apenas eu.

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